Entrevista com Clay Shirky, jornalista e escritor americano publicado pelo jornal A Gazeta do povo em 16/11/2009
Como diferenciar a cultura tradicional da cultura da era digital?
Quando terminei de escrever meu livro Here Comes Everybody (algo como “Aí vem todo mundo”, em inglês), tinha a impressão de que o comportamento determinava aquilo a que chamamos de cultura. Mas “comportamento” pode ser traduzido como motivação filtrada pela oportunidade.
O que a cultura digital faz é pegar motivações ancestrais – “quero estar conectado a pessoas de que gosto”, “quero ter mais autoconfiança”, “quero ser autônomo” – e apresentar a elas um monte de novas oportunidades. Tanto a ascensão da Wikipedia ou da comunidade de software livre oferecem uma oportunidade da criação coletiva.
Ninguém está no comando e ninguém tem a garantia de que sua contribuição será aceita, mas em algum lugar entre esses dois polos há uma cultura de compartilhamento, de combinação e de progresso.
A pergunta a ser feita é: “Qual valor conseguimos extrair destas oportunidades?” ou “como temos que mudar a cultura para ter vantagem com isso?”.
Dá para comparar as mudanças que vemos hoje com alguma outra mudança histórica?
Sim, com a invenção da cultura impressa, outro período em que o enorme acesso à informação mudou tudo. E quando ela apareceu, havia o temor de que ela centralizaria a cultura.
Como diferenciar a cultura tradicional da cultura da era digital?
Quando terminei de escrever meu livro Here Comes Everybody (algo como “Aí vem todo mundo”, em inglês), tinha a impressão de que o comportamento determinava aquilo a que chamamos de cultura. Mas “comportamento” pode ser traduzido como motivação filtrada pela oportunidade.
O que a cultura digital faz é pegar motivações ancestrais – “quero estar conectado a pessoas de que gosto”, “quero ter mais autoconfiança”, “quero ser autônomo” – e apresentar a elas um monte de novas oportunidades. Tanto a ascensão da Wikipedia ou da comunidade de software livre oferecem uma oportunidade da criação coletiva.
Ninguém está no comando e ninguém tem a garantia de que sua contribuição será aceita, mas em algum lugar entre esses dois polos há uma cultura de compartilhamento, de combinação e de progresso.
A pergunta a ser feita é: “Qual valor conseguimos extrair destas oportunidades?” ou “como temos que mudar a cultura para ter vantagem com isso?”.
Dá para comparar as mudanças que vemos hoje com alguma outra mudança histórica?
Sim, com a invenção da cultura impressa, outro período em que o enorme acesso à informação mudou tudo. E quando ela apareceu, havia o temor de que ela centralizaria a cultura.
A nova tecnologia permitiria que todos pudessem ter acesso a livros, mas sempre aos mesmos títulos, e a noção de cultura se tornaria mais massiva, ainda mais porque era controlada pela Igreja Católica.
O que aconteceu foi o contrário – e até hoje eu fico impressionado como a Elizabeth Einseinstein fala bem sobre essas mudanças sociais em seu livro A Revolução da Cultura Impressa (Ática, 1998).
Em vez de um mesmo livro ser lido por milhares de pessoas, uma pessoa podia ler milhares de livros. E o choque da diversidade – de formas de pensar e viver - virou –o mundo de cabeça para baixo.
A internet é uma ferramenta para acessar informação, isso é óbvio, mas é uma ferramenta muito mais importante para conectar uns aos outros. E a variedade de formas de pensar e viver está apenas começando a crescer porque, de repente, a ideia de nicho – você achava que era a única pessoa do mundo que gostava de determinada coisa ou que fazia uma atividade de um jeito diferente – pode ser expressa socialmente.
Antes da consolidação da internet assistimos a diferentes movimentos, como a questão ambiental, a luta pelos direitos civis ou os direitos do consumidor, que começaram localizados e se tornaram globais.
Essa mudança poderia acontecer sem a invenção da internet?
Perceba o seguinte: embora a revolução científica não fosse possível sem a invenção da cultura impressa, ela não foi a causa da revolução científica.
Essa mudança poderia acontecer sem a invenção da internet?
Perceba o seguinte: embora a revolução científica não fosse possível sem a invenção da cultura impressa, ela não foi a causa da revolução científica.
O que vemos com a internet é a ascensão de uma plataforma que permite o pensamento global numa época de problemas de escala global.
Esse foi o ponto da revolução científica: não foi que os cientistas descobriram que havia a mídia impressa em que eles poderiam publicar suas descobertas, mas o fato de eles perceberem que precisavam de uma cultura em que uns lessem o que os outros estavam fazendo e em que pudessem se desafiar uns aos outros.
O foco agora deve ir para essas normas culturais que podem mudar a forma como usamos a internet.
Há algo em andamento hoje que seja semelhante àquela revolução científica?
A mudança política vai ser a revolução científica desta geração.
Há algo em andamento hoje que seja semelhante àquela revolução científica?
A mudança política vai ser a revolução científica desta geração.
Precisamos pensar em um conjunto de normas culturais que nos permita lidar com questões que afetam todo o planeta.
Não temos isso ainda.
Transformar o mundo inteiro em um só país com um único governo não é a forma correta de lidar com isso, pois é um retrocesso colocar o controle do mundo na mão de um grupo de líderes, mas os modelos que temos hoje também não são apropriados.
Temos que pensar em formas de lidar com o engajamento político global. Algumas das principais transformações hoje são em países em desenvolvimento.
Marshall McLuhan dizia que a cultura digital é mais próxima da oral do que da escrita. Países menos alfabetizados têm mais facilidade de compreender a cultura digital?
Para isso precisaríamos que as possibilidades de participação coletiva que vivenciamos principalmente online se tornassem disponíveis não de forma escrita, mas através da voz; não através de computadores, mas de telefones.
Marshall McLuhan dizia que a cultura digital é mais próxima da oral do que da escrita. Países menos alfabetizados têm mais facilidade de compreender a cultura digital?
Para isso precisaríamos que as possibilidades de participação coletiva que vivenciamos principalmente online se tornassem disponíveis não de forma escrita, mas através da voz; não através de computadores, mas de telefones.
O telefone é o principal dispositivo de contato para a maior parte do planeta; 4,5 bilhões de pessoas usam o telefone, enquanto outros 3 bilhões usam celulares.
Vivemos num mundo em que é muito comum acessar a rede global. O que essas pessoas fazem na internet – se escrevem, leem, tiram fotos ou fazem filmes – é o de menos.
A oportunidade e o desafio é como iremos fazer que a motivação social da internet esteja disponível para qualquer um que tenha um telefone, e não só para quem tem computador.
E tem coisas que você pode fazer no telefone que não dá para fazer na web. E não estou falando de um iPhone, mas de aparelhos que façam apenas telefonemas e enviem SMS. Acho que é um grande desafio pensar nesses sistemas de organização social.
Você acha que o Brasil é um agente desta mudança?
Claramente. O Brasil é o primeiro país a se alinhar inteiramente a um modelo de compartilhamento como forma de progresso econômico, cultural e social.
Você acha que o Brasil é um agente desta mudança?
Claramente. O Brasil é o primeiro país a se alinhar inteiramente a um modelo de compartilhamento como forma de progresso econômico, cultural e social.
E isso aparece em diferentes níveis, desde o mais baixo – como a cultura do funk de favela, que pressupõe o compartilhamento em sua essência – até o mais alto, com o presidente Lula dizendo que prefere soluções open source para os problemas do país.
Há outros países que estão se desenvolvendo desta forma, mas nenhum outro está tão à frente quanto o Brasil.
E é por isso que eu acho que o Brasil é um dos países mais importantes do mundo hoje.
E o resto do mundo percebe isso?
O mundo não percebe isso como um todo, apenas como exemplos que se desenvolvem isolados uns dos outros.
E o resto do mundo percebe isso?
O mundo não percebe isso como um todo, apenas como exemplos que se desenvolvem isolados uns dos outros.
Não há a consciência de que essas iniciativas façam parte de um todo, mas que há, de fato, uma cultura brasileira que está sendo desenvolvida ao redor desses modelos. E isso é a coisa mais importante – não só em relação ao País, mas à forma como encaramos cultura digital no planeta.
Discordo em parte do autor. Acho que o termo mais apropriado seria Cultura Virtual e não Cultura Digital. A cultura digital já existe muito antes da internet. No Brasil quem viveu na década de 80 sabe do que falo. Os usuários de TK-85, MSX, Amiga, Aple2 já desenvolviam cultura digital. Mas esta era restrita a nichos universitários ou técnicos. Houve algumas mudanças desse movimento no mundo exterior sim, podemos citar a influência do uso de gráficos trimensionais e dos sintetizadores como advindos da cultura digital. Isso já a partir da década de 70. A própria cultura do videogame é um fruto da cultura digital.
ResponderExcluirPor isso, acredito eu, que o termo escolhido pelo autor não foi o mais correto. Digitalização já existia antes da Internet. O que foi fato novo foi a facilidade de disseminação dessa digitalização o que antes não ocorria tão facilmente.